Paradigmas de interpretação das relações raciais no
Brasil
Roberto Motta
Recebido para
publicação em maio de 1999
Professor da
Universidade Federal de Pernambuco, Recife
RESUMO
No estudo das relações raciais no Brasil durante o
século XX Distinguem-se três paradigmas. O primeiro, o paradigma da morenidade,
está associado a Gilberto Freyre, mas apesar de aparentes desacordos, é
compartilhado por Marvin Harris e Carl Degler, cujas formulações ,
"ambigüidade referencial no cálculo da identidade racial" e "nem
branco nem preto" significam em essência o mesmo que moreno. Um segundo
paradigma está associado a Florestan Fernandes, que destaca o caráter puramente
residual do preconceito de raça e da desigualdade no Brasil. O terceiro
paradigma, ligado sobretudo a Carlos Hasenbalg, postula que a discriminação
racial persistente é a causa da desigualdade entre brancos e não-brancos no
plano da economia, da educação e de outros indicadores. As diferenças entre
esses paradigmas, e mesmo entre autores que aderem a paradigmas
substancialmente idênticos, derivam em grande medida de modelos diferentes de
história e desenvolvimento.
Palavras-chave: relações raciais; mestiçagem; modelos de desenvolvimento; escravidão.
INTRODUÇÃO
É possível
reconhecer três paradigmas principais no estudo das relações raciais no Brasil,
relacionados, respectivamente, aos trabalhos de Gilberto Freyre, Florestan
Fernandes e Carlos Hasenbalg. Esses paradigmas também foram usados por outros
estudiosos, em razão de possuírem prolongamentos fora do Brasil, influenciando
e sendo influenciados por intérpretes estrangeiros, principalmente americanos.
Assim, como veremos, autores de tanto destaque quanto Marvin Harris e Carl
Degler são, cada um à sua maneira e apesar de tudo que possam dizer em
contrário, seguidores do modelo de Gilberto Freyre. Na verdade, grande parte da
disputa sobre o tema deriva menos da constatação dos fatos (isto é, do teste ou
da "falseação" de hipóteses) que de pressupostos sobre as condições
necessárias para que, do ponto de vista da filosofia da história, o
desenvolvimento dos países possa ser aceito como válido.1
FREYRE,
HARRIS E OS MORENOS
O pensamento de Gilberto Freyre sobre raça e cultura no Brasil pode ser
resumido na seguinte citação, retirada de Casa-grande & senzala:
Verificou-se entre nós uma profunda confraternização
de valores e sentimentos. [...] Confraternização
que dificilmente se teria realizado se outro tipo de cristianismo tivesse
dominado a formação social do Brasil; um tipo mais clerical, mais ascético,
mais ortodoxo; calvinista ou rigidamente católico; diverso da religião doce,
doméstica, quase de família entre os santos e os homens que, das capelas
patriarcais, das casas-grandes, das igrejas sempre em festas – batizados,
casamentos, festas de bandeira dos santos, crismas, novenas – presidiu o desenvolvimento
social brasileiro. Foi esse cristianismo doméstico, lírico e festivo, de santos
compadres, de santas comadres dos homens, de Nossas Senhoras madrinhas dos
meninos, que criou nos negros as primeiras ligações espirituais, morais e
estéticas com a família e a cultura brasileira [...] A religião
tornou-se o ponto de encontro e de confraternização entre as duas culturas, a
do senhor e a do negro; e nunca uma intransponível e dura barreira. [...] A
liberdade do escravo de conservar e até de ostentar em festas públicas [...]
formas e acessórios de sua mítica, de sua cultura fetichista e totêmica, dá
bem idéia do processo de aproximação das duas culturas no Brasil (Freyre
1980: 355-6).
Segundo Gilberto Freyre, em função do tipo de cristianismo2
prevalecente entre os portugueses3, as
raças no Brasil tenderam a se fundir em uma só comunidade emocional e
religiosa. Essa opinião suscitou tanto aplausos entusiásticos quanto ferrenha
oposição. Alguns dos adversários mais implacáveis de Gilberto, entretanto, não
obstante rejeitem sua concepção do desenvolvimento histórico, estão de acordo
com ele quando se trata de descrever o sistema brasileiro de relações
raciais. Esse é o caso de Marvin Harris, para o qual
É incorreto dizer-se que a identidade racial, no
Brasil, depende da aparência e do comportamento das pessoas, pois já a
percepção da aparência e do comportamento parece estar influenciada por fatores
obscuros e mesmo invisíveis. Tem sido amplamente observado que a identificação
racial é consideravelmente influenciada pelo nível educacional e econômico quer
do informante, quer do indivíduo que está sendo classificado. Pessoas de
fenótipo caucásico vêem-se identificadas em termos teoricamente apropriados
para a parte mais negróide do espectro das cores (Harris & Kottak 1963: 204).
Desprovida de distinções de castas fundamentadas em
identidades raciais, as estruturas sociais do Brasil, na prática, não implicam
em uma grande competência intersubjetiva no que se refere a taxinomias raciais (Harris 1970: 12).
Passagens substancialmente idênticas poderiam ser retiradas da obra de Harris4
desde a publicação de Town and country in Brazil (1956), seu primeiro
trabalho sobre o tema, resultante, como tantos outros, da famosa pesquisa sobre
relações raciais no Brasil patrocinada pela UNESCO. O fato é que, para Harris,
"no Brasil, a pessoa, por mais escura que possa ser, pode mudar de
categoria racial sem sequer mudar de residência. Basta ter sucesso econômico e
atingir um alto nível de educação" (Harris 1964a: 59). Para ele, sendo a
raça funcionalmente irrelevante (ao menos relativamente irrelevante) na
fixação do status econômico, educacional ou social dos indivíduos,
segue-se que os termos que a designam não só podem como precisam ser
ambíguos e imprecisos, expressando uma vivência igualmente ambígua e imprecisa.
Gilberto Freyre, em outras e às vezes com as mesmas palavras de
Marvin Harris, pensa o mesmo. Tomemos o caso de moreno5, de
que Gilberto tratou na introdução a New world in the tropics (Freyre
1959), livro muitas vezes citado e criticado por Marvin Harris:
Existe elevado número de homens de cor nas repartições
públicas, embora a proverbial cortesia brasileira prefira designá-los não como
"negros" (como são chamados nos Estados Unidos indivíduos
praticamente nórdicos com apenas uma gota de sangue africano nas veias), mas
sim como "morenos", ou seja, pessoas de pele mais ou menos escura.
Mesmo durante o Império, grande número de notáveis estadistas, membros do
Gabinete Imperial e do Senado do Império, diplomatas, juizes e deputados, eram
"morenos" (Freyre 1971:
67-8; tradução de Freyre 1959: 10).
Resumindo o tratamento do tema com o qual lidou ao longo de
praticamente toda a sua obra, Gilberto dedicou uma de suas publicações em
língua inglesa exatamente ao emprego da palavra moreno, cuja ambigüidade
mostraria a reduzida importância das classificações raciais na sociedade
brasileira. Trata-se do opúsculo The racial factor in contemporary politics,
de 1966, no qual, entre outras coisas, disse que
Não é difícil entender por que, no Brasil, o emprego,
atualmente muito flexível ou elástico, da palavra moreno veio a ser um dos
eventos semântico-sociológicos que mais caracterizaram o desenvolvimento da
América Portuguesa como de uma sociedade cuja composição multirracial cada vez
mais vem a ser aquilo que um inventor de neologismos talvez se atrevesse a
descrever como meta-racial. Isto é, uma sociedade na qual em vez da preocupação
sociológica com a caracterização minuciosa de tipos intermediários ou de
matizes entre branco e preto, branco e vermelho, branco e amarelo, a tendência
é, ou começa a ser, para aqueles que, sendo membros da sociedade ou comunidade
brasileira, não são completamente brancos, ou completamente pretos, ou
completamente vermelhos, ou completamente amarelos, de serem descritos, ou de
considerarem-se a si mesmos quase sem discriminação, como "morenos". [...] A mesma palavra vem tendo um emprego
sociológico flexível e biologicamente elástico – tão elástico que mesmo negros
retintos ["black negroes"] são atualmente descritos, no
Brasil, como morenos (Freyre 1966: 14).
E arrematou declarando que "O uso atual da palavra moreno mostra
como só um número reduzido de pernósticos, no Brasil, toma a atitude de se
considerar, a si próprios ou a seus compatriotas, do ponto de vista biológico
ou sociológico, brancos puros, representantes no Brasil, de cultura puramente
européia" (Freyre 1966: 27).
O acordo implícito entre Freyre e Harrris se confirma no artigo que
este publicou (com associados) em 1993, sob o título de "Who are the
whites?". Tal como o opúsculo de Freyre, esse artigo se
encontra essencialmente voltado para o uso brasileiro da palavra
"moreno". O parágrafo inicial já demonstra a convergência de
opiniões:
Quando, no recenseamento, moreno é usado em vez de
pardo, a proporção de respondentes que se identifica como sendo de raça-cor
misturada [isto é, como morenos] aumenta,
ao mesmo tempo que ocorre uma diminuição substancial dos que se identificam
como brancos ou pardos. Tais resultados demonstram o erro de querer-se impor ao
resto do Hemisfério categorias rigidamente dicotômicas (brancos/não brancos) ou
tricotômicas (brancos/mestiços/negros) tidas como adequadas para representar a
identidade racial nos Estados Unidos (Harris et al. 1993: 451).
É um texto que, com certas modificações estilísticas e menos uso de
cálculos estatísticos por vezes complicados, poderia ser assinado por Gilberto
Freyre, do qual Harris, em quase tudo mas sem jamais o declarar, revela-se fiel
discípulo6.
Muito gilbertiana – vêm-me logo à mente artigos de Gilberto publicados em
jornais na década de 1970, alertando para as tentativas de certas fundações
estrangeiras de introduzir no Brasil padrões e políticas raciais copiados da
América do Norte –, a conclusão do artigo declara que:
Os cientistas sociais devem pesar cuidadosamente o
efeito de tentar medir a discriminação no Brasil pela imposição de categorias
de raça-cor emicamente inválidas provenientes do sistema de castas raciais dos
Estados Unidos. Concebe-se geralmente que a discriminação fere os direitos
civis. Mas é também matéria de direitos civis que os indivíduos possam
classificar-se a si mesmos e a seus filhos de acordo com seu próprio sentimento
de identidade. Pode ser que o Brasil não esteja mais próximo da democracia
racial que outros países, mas seu sistema de estabelecer identidades raciais
tem muitas características das quais o resto do mundo tem muito o que aprender (Harris et al. 1993: 459).
Para usar as palavras de Claude Lévi-Strauss (1985: 115), entre
Gilberto Freyre e Marvin Harris "não são as semelhanças, mas as diferenças
que se parecem". O primeiro diz que existe, no Brasil, uma
"democracia étnica":
O segredo do sucesso do Brasil em construir uma
civilização humana, predominantemente cristã e crescentemente moderna, na
América tropical, vem da capacidade brasileira em transigir. Enquanto os
ingleses, mais que qualquer outro povo, possuem tal capacidade na esfera
política [...] os brasileiros vêm
conseguindo ainda maiores triunfos, aplicando essa capacidade à esfera cultural
e social, na maior amplitude. Daí sua relativa democracia étnica: a ampla,
embora não perfeita, oportunidade dada no Brasil a todos os homens,
independente de raça e cor, para se afirmarem brasileiros plenos (Freyre
1971: 4-5; tradução de Freyre 1959: 7-8)7.
Essa invejável situação de harmonia racial encontra-se porém sujeita a
certas restrições:
Não que inexista preconceito de cor ou de raça
juntamente com preconceitos contra a mistura de classes no Brasil. Existe. Mas
ninguém pensaria em ter igrejas somente para brancos, assim como não pensaria
em leis contra os casamentos inter-raciais; ou em banir os negros dos teatros
ou bairros residenciais de uma cidade. O espírito generalizado de fraternidade
humana é mais forte entre os brasileiros do que os preconceitos de raça ou de
cor, de classe ou de religião. É verdade que a igualdade racial nem é perfeita no
Brasil nem se tornou absoluta com a abolição da escravidão, em 1888. [...] Evidentemente não existe paraíso na terra.
Mas, quanto às relações raciais, a situação brasileira provavelmente é a que
mais se aproxima daquilo que se imagine como um paraíso nesse setor. A
felicidade brasileira, contudo, é relativa, pois para a maior parte da
população brasileira persistem, senão a miséria, a pobreza, e uma série de
doenças (Freyre 1971: 5; tradução de Freyre 1959: 8).
Já para Marvin Harris não existe democracia racial ou étnica no
Brasil. Contudo, sua não-democracia, de modo simetricamente inverso à
democracia de Gilberto, está sujeita a muitas restrições:
De maneira geral há uma gradação idealizada na qual os
brancos ocupam o extremo favorável, os negros o extremo desfavorável e os
mulatos as posições intermediárias. Mas esses fenômenos ideológicos não afetam
seriamente o comportamento real. O que as pessoas dizem que vão fazer ou que
não vão fazer não repercute no comportamento real. De fato, já se tem observado
que brasileiros extremamente preconceituosos comportam-se com pronunciada
deferência com relação a representantes dos grupos que dizem ser os mais
baixos. Ou, em outras palavras, o preconceito racial no Brasil não resulta em
segregação racial e discriminação sistemáticas. O motivo deste paradoxo é
claro. Apesar dos estereótipos idealizados, não há um papel ou um status [status-role] para o negro enquanto negro,
ou para o branco enquanto branco, ou para o mulato enquanto mulato. Não há
grupos raciais. [...] É a classe da pessoa e não a raça que determina a
adoção de atitudes de subordinação e sobreposição entre determinadas pessoas no
relacionamento direto. É a classe que determina quem será admitido em hotéis,
restaurantes e clubes; quem receberá tratamento preferencial em lojas, igrejas,
boates e veículos; e quem terá maiores oportunidades em um grupo de
pretendentes ao casamento. Não há grupos raciais contra os quais se exerce
discriminação. Há, sim, grupos de classe. [...] A discriminação de raça
é em si suave e imprecisa; a discriminação de classe produz desvantagens e
desigualdades de caráter agudo, persistente e onipresente (Harris 1964a:
60-1).
Harris também usa a metáfora do paraíso para, em palavras aparentemente
diferentes (e politicamente mais corretas), destacar que o problema no Brasil é
mais de classe que de raça:
Que aqueles que consideram o Brasil como um
"paraíso racial" lembrem-se de que esse paraíso está ocupado apenas
por criaturas ficcionais. Os homens e mulheres da realidade na Bahia não são
membros de raça exceto enquanto de qualquer conjunto de seres humanos pode-se
dizer que tem uma identidade racial objetiva. No que diz respeito ao
comportamento real, não existem "raças" para os brasileiros. Mas existem
classes tanto para o observador como para os brasileiros (Harris 1964a: 64).
Assim se torna patente que, em substância, Harris concorda com Freyre
até mesmo no emprego "semântico-sociológico" da palavra moreno. Em
questões de estilo, ele se conserva a uma distância prudente e politicamente
correta do autor brasileiro, o que não o impede de, juntamente com o próprio
Freyre, ser um dos campeões do paradigma da morenidade.
RELAÇÕES
RACIAIS E CORREÇÃO HISTÓRICA
Penso que dificilmente se pode chamar de exagerada a grande influência
de Harris sobre outros estudiosos, tanto brasileiros quanto norte-americanos.
Entre eles, destaca-se Carl Degler – seu livro Nem preto nem branco:
escravidão e relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos (1976) goza da
reputação de ser um clássico dentro dessa temática. Ora, eu mesmo me espanto da
facilidade com que descubro em Degler um dos mais acirrados closet Freyreans
de minha lista, embora ele não o admita nem por todo o ouro do mundo. É o
vocabulário de Degler o que, muitas vezes, o aproxima de Gilberto. Sua
expressão mulatto escape hatch, que podemos traduzir como saída de
emergência do mulato (saída sem dúvida suficientemente espaçosa para que
por ela escape a maior parte do povo brasileiro), tem todo o jeito de ter sido
expressamente inventada como uma saída de emergência para gilbertianos não se
sabe por que envergonhados. Efetivamente, penso que Degler é, juntamente com
Marvin Harris, um dos gilbertianos mais ortodoxos que se pode encontrar em toda
a vasta literatura sobre relações raciais no Brasil e nas Américas. Senão,
vejamos. Tudo bem pensado, "nem preto, nem branco" vem a ser
equivalente primeiro do título de um dos artigos de Harris, "ambigüidade
referencial no cálculo da identidade racial" (Harris 1970) e, de fato, do
próprio termo moreno, entendido por Gilberto Freyre exatamente como nem
preto nem branco e adotado em seguida por Marvin Harris.
Na realidade, Freyre, Harris e Degler, apesar de diferirem no
vocabulário, concordam em atribuir caráter meta-racial à sociedade
brasileira. De acordo com o pensamento dos três, as identidades raciais teriam
importância limitada na atribuição de papéis e de status, e tenderiam a
ser englobadas e confundidas em termos como moreno ou nem
preto, nem branco. Ora, é precisamente a confusão de identidades
raciais que constitui a essência do primeiro paradigma reconhecido neste
trabalho, e que pode ser denominado paradigma da morenidade.
Entretanto, apesar de seu acordo quanto à meta-raça, os autores
divergem de modo às vezes agudo a respeito das explicações propostas para o que
supõem representar uma realidade incontestável. Existe forte oposição sobretudo
entre, de um lado, Gilberto Freyre e, do outro, Marvin Harris e Carl Degler,
cujos trabalhos desde o princípio tiveram a intenção de refutar a interpretação
do Brasil proposta por Gilberto. O que se pretende destacar neste artigo é que,
na raiz dessa divergência, encontra-se toda uma filosofia da história e da
cultura. Nas concepções de Harris e Degler podemos reconhecer dois grandes
componentes. Em primeiro lugar, uma concepção materialista da história,
privilegiando fatores de caráter ecológico, tecnológico, econômico e
demográfico. Assim é que, de acordo com Marvin Harris:
Embora a grande plantação escravocrata [em todas as partes das Américas] tenha tido
efeitos marcadamente os mesmos, independentemente dos antecedentes culturais de
escravos ou senhores, o ambiente natural, demográfico e institucional com que a
escravidão se articulou esteve muito longe de ser o mesmo. É dever de todos que
desejam explicar a diversidade no relacionamento das raças, no Brasil e nos
Estados Unidos, voltarem-se em primeiro lugar para explicações materiais
(Harris 1964a: 81).
Conseqüentemente, Harris está convencido de que se tratou essencialmente
de um problema de mão-de-obra: o número de portugueses capazes de vir para o
Brasil era tão pequeno que os conquistadores "viram-se forçados a criar um
grupo livre, composto de mestiços, para servir de intermediário entre eles e os
escravos, pois havia certas funções essenciais, de caráter econômico e militar,
para as quais o trabalho escravo não se prestava e não havia número suficiente
de brancos" (Harris 1964a: 86-7).
Encontramos na obra de Carl Degler, entre outros ingredientes, uma
versão substancialmente idêntica da primazia atribuída a fatores ecológicos,
econômicos e demográficos:
Nem a Igreja nem o Estado no Brasil revelaram qualquer
preocupação profunda no que diz respeito à condição humana do escravo e, de
qualquer forma, nenhum dos dois usou sua autoridade para influir de maneira
significativa na vida do escravo [...].
Mesmo quando a Coroa portuguesa procurou dar alguma proteção ao negro, como ser
humano, nem sempre era obedecida pelos senhores brancos. As explicações mais
convincentes para essas diferenças [entre os padrões da escravidão e das
relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos] talvez sejam as de
desenvolvimento demográfico e econômico e as circunstâncias geográficas nos
dois países (Degler 1976: 101).
Contudo, para empregar aqui a sentença de Oscar Wilde, "a verdade
raramente é pura, e nunca simples". Mesmo quando destacam fatores
ecológicos e econômicos, mesmo quando rejeitam o "mito do
bom senhor"8,
Harris e Degler não necessariamente contradizem Freyre, já que o autor
brasileiro não recusou explicações de caráter "material". Embora não
os pretendesse únicos, Gilberto Freyre não rejeitou a consideração de fatores
econômicos e demográficos, e assim declarou que:
Por menos inclinados que sejamos ao materialismo
histórico [...] temos de admitir a
influência considerável, embora nem sempre preponderante, da técnica de
produção econômica sobre a estrutura das sociedades: na caracterização da sua
fisionomia moral [...]. No Brasil, as relações entre os brancos e as
raças de cor foram desde a primeira metade do século XVI condicionadas, de um
lado pelo sistema de produção econômica – a monocultura latifundiária; do outro
pela escassez de mulheres brancas entre os conquistadores (Freyre 1980:
LVIII-LIX).
O segundo e principal componente da oposição teórica a Gilberto Freyre
está no que se pode chamar de concepção ortogenética do progresso. Trata-se do
postulado do desenvolvimento unlinear do processo histórico,
compartilhado, apesar das diferenças existentes entre eles, pelo idealismo de
Hegel, o materialismo de Marx e a sociologia histórica de Weber. Simplificando
os termos, o problema é o seguinte: como é possível a um país subdesenvolvido
como o Brasil apresentar maior sucesso adaptativo na coexistência (desde que se
aceite essa coexistência como sucesso adaptativo), na interpenetração racial e
cultural, que outros países, supostamente situados na vanguarda do
desenvolvimento econômico e social?9 Carl
Degler oferece um exemplo arquetípico dessa concepção ortogenética:
Como em Portugal, a mãe-pátria, faltava ao Brasil a
concepção do valor moral do trabalho que vem sob o rótulo de "ética
protestante". Não é que os brasileiros não trabalhassem, pois na verdade
as circunstâncias impeliam a maioria deles ao trabalho.10 As diferenças no relacionamento racial do Brasil e
dos Estados Unidos surgiram das muitas diferenças entre uma sociedade dinâmica,
competitiva, protestante e socialmente móvel e uma que era estável,
tradicional, hierárquica e católica (Degler 1976: 255-6).
Quero destacar a aparente inconsistência da passagem que acabei de
citar, derivada da importância que Degler pretendeu atribuir aos fatores
materiais e a ênfase que agora coloca em causas éticas e religiosas. Sua
mensagem essencial, formulada em termos de Hegel, Marx, Weber e Parsons,
consiste em reivindicar para um determinado modelo de sociedade e cultura a
primazia sobre outros modelos e, portanto, achar que um determinado paradigma11 de
interpretação histórica é melhor que outros. Existiria uma história normativa
(ou orto-história) à qual as outras histórias deveriam se conformar – o que não
se encontra distante da atitude racista, que só reconhece atrofias e
deformações do humano nos povos e sociedades considerados subdesenvolvidos,
atrasados ou primitivos.12
É igualmente incoerente apresentar o Brasil como "estável, tradicional,
hierárquico e católico" e, ao mesmo tempo, tão propenso a usar a
"saída de emergência do mulato".
Entretanto, apesar de suas suposições teóricas tão diferentes – ou,
talvez melhor, apesar do que supõem estarem supondo –, Gilberto Freyre, Marvin
Harris e Carl Degler chegam às mesmas conclusões. Convergem para o paradigma da
morenidade, de acordo com o qual as classificações raciais, ou a percepção das
diferenças raciais, tende a ser irrelevante na formação social brasileira,
devido a fatores de caráter religioso, demográfico ou ambos. Como já se
destacou, vê-se que, atentamente consideradas, a palavra moreno, de
acordo com Freyre e com certos textos recentes de Harris; a locução ambigüidade
referencial no cálculo da identidade racial, de acordo com um artigo mais
antigo de Harris; e a saída de emergência do mulato, de Degler, levando
ao surgimento de uma população morena ou, em termos mais estritamente
deglerianos, nem preta nem branca, significam muito aproximadamente a mesma
coisa.
FLORESTAN
FERNANDES E A DEMOCRACIA RACIAL
A primeira homenagem que rendo a Florestan Fernandes é ao seu espírito
de sistema; seu como que cartesianismo, buscando operar através de conceitos o
mais possível claros e distintos. Mais claros e mais distintos, diga-se de
passagem, que os de Roger Bastide, que foi seu mentor e que, talvez melhor que
ninguém na história das ciências sociais da França e do Brasil, parece ter
compreendido as vantagens das penumbras cognitivas e conceptuais.
Florestan Fernandes é muito diferente de Gilberto Freyre, em que domina
uma intuição mais de artista que de cientista. Para Gilberto, a linha reta não
é a menor distância entre dois pontos, ou pelo menos ele jamais parece seguir
essa hipotética linha reta, escrevendo com linhas muito sinuosas. De Florestan
eu diria justamente o contrário: mesmo quando porventura escreve errado, usa
linhas retas.
Para ir diretamente ao essencial, pode-se dizer, de uma maneira, temo,
um tanto simplificada demais, que para Florestan não existem relações
propriamente de raça, mas de classe, as quais, em determinadas circunstâncias,
assumem a forma de relações de raça. Racismo, racialismo ou como quer que o
chamemos corresponderiam, em termos paretianos que Florestan não adota, a
simples derivações. O resíduo, o núcleo, a essência são os conflitos de classe
baseados em determinado sistema econômico, que Florestan raramente ou nunca
denomina explicitamente modo de produção.13
Tentarei, como fiz com o Pernambucano, resumir o pensamento do Paulista em uma
citação:
São Paulo constituía [...] uma das cidades brasileiras menos propícias à
absorção imediata do elemento recém-egresso da escravidão. [...] São
Paulo aparecia como primeiro centro urbano especificamente burguês. Não só
prevalecia entre os homens uma mentalidade marcadamente mercantil, com seus
corolários característicos – o afã do lucro e a ambição do poder pela riqueza;
pensava-se que o "trabalho livre", a "iniciativa
individual" e o "liberalismo econômico" eram os ingredientes do "Progresso",
a chave que iria permitir superar o "atraso do País" e propiciar a
conquista dos foros de "Nação civilizada" pelo Brasil. Os móveis das
ações, os comportamentos e a própria personalidade dos agentes econômicos
conformavam-se, de modo cada vez mais profundo, pelos padrões típicos do
empresário e do trabalhador livre da civilização capitalista. Nesse clima o
negro encontrava boa acolhida: enquanto "escravo insubmisso", que
fugia da senzala e se rebelava contra a escravidão (no período final de
desagregação do regime servil); enquanto se abrigava como
"protegido", "dependente" ou "cria da família",
sob o manto das relações paternalistas. [...] Fora e acima disso, surgia
como uma pessoa deslocada e aberrante no cenário tumultuoso que se forjava
graças à "febre do café". Mesmo quando conseguia inserir-se no
sistema citadino de ocupações, ele não se polarizava na direção do futuro e,
assim, não "engrenava". Faltava-lhe coragem para enfrentar ocupações
degradantes, como os italianos que engraxavam sapatos, vendiam peixes e jornais
etc.;14
não era suficientemente "industrioso" para fomentar a poupança,
montando-a sobre uma miríade de privações aparentemente indecorosas, e para
fazer dela um trampolim para o enriquecimento e o "sucesso"; carecia
de meios para lançar-se às pequenas ou às grandes especulações, que
movimentavam os negócios comerciais, bancários, imobiliários e industriais; e,
principalmente, não sentia o ferrete da ânsia de poder voltado para a
acumulação da riqueza. [...] Doutro lado, as deformações introduzidas em
suas pessoas pela escravidão limitavam sua capacidade de ajustamento à vida
urbana, sob regime capitalista, impedindo-os de tirar algum proveito relevante
e duradouro, em escala grupal, das oportunidades novas (Fernandes 1978:
19-20).
Pode-se dizer que, para Florestan, o preconceito de raça é ilusório,
uma vez que, bem examinado, reduz-se a um simples preconceito de classe, ou
melhor, à sobrevivência de ideologias ou atitudes que, no passado, decorreram
de relações de classe e subsistem no presente por força de certa inércia
cultural – apesar de Florestan não ter feito (que eu me lembre) apelo explícito
nem a esse nem a outros conceitos de William Ogburn, como o de hiato, atraso ou
defasagem cultural (cultural lag).
Não existe, e dentro da sociologia racionalista e progressista de
Florestan Fernandes nem poderia existir, lugar para relações de raça
propriamente ditas. Note-se que o homem que, de maneira mais ou menos
implícita, apresenta-se como um dos maiores adversários do conceito de
"democracia racial" tal como certa ou erradamente é atribuído a
Gilberto Freyre é, de certo modo, um defensor ainda mais radical desse conceito
por, paradoxalmente, negar-lhe qualquer existência autônoma.
Desse ponto de vista, o contraste mais marcado talvez não seja o que se
pode estabelecer entre Gilberto e Florestan, mas entre Florestan e Louis
Dumont, um autor que se ocupou muito pouco do Brasil e que, em Homo
hierarchicus (1967), derivou o conceito de casta de um contraste a
priori – isto é, anterior a determinações sociais ou econômicas – entre o puro
e o impuro, ou, na famosa formulação de Mary Douglas (1991), entre pureza
e perigo. Florestan, entenda-se bem, fala em castas e até mesmo em
sociedade de castas, mas em sentido completamente diferente do de Dumont. Para
o Paulista, a sociedade de castas é uma sociedade de classes mais rígida,
fundamentada em certas relações de produção, na qual há pouco ou nenhum espaço
para mudança ou mobilidade; é a sociedade pré-capitalista, com sua própria base
econômica e, mesmo em versão brasileira, apresentando muitas semelhanças com o
regime feudal da Europa medieval. Gilberto, por reconhecer a existência
autônoma do que por ora chamaremos preconceito de raça – embora o
considere fraco ou inexistente no colonizador português, em função de sua
"singular predisposição para a colonização híbrida e escravocrata dos
trópicos", explicada, "em grande parte", por "seu passado étnico,
ou antes, cultural, de povo indefinido entre a Europa e a África" (Freyre
1980: 5) –, encontra-se de certo modo mais distante do projeto talvez utópico
de uma democracia racial que Florestan, que parece repelir esse conceito
com horror.
Retomemos o ponto de partida, o fio de Ariadne através desse labirinto
de autores e teorias, voltando à idéia de orto-história. Essencialmente,
essa idéia não existe na perspectiva de Gilberto. Enquanto Florestan vê
a igualdade racial como uma grande conquista do futuro, para Gilberto ela ou já
existe ou nunca existirá. A idéia de Tropicologia, com esse ou outros nomes,
perpassa a obra de Gilberto Freyre desde o princípio, uma vez que ele desde o
começo lida com algumas poucas intuições em torno das quais passou toda a vida
refletindo, sem jamais querer, ou conseguir, reduzi-las a conceitos claros e
distintos como os do cartesiano Florestan.
Em outras palavras, o Pernambucano está muito longe de admitir a
superioridade da civilização capitalista, isto é, "do preto, do pardo, do
cinzento, do azul escuro da civilização carbonífera" (Freyre 1961: 311)
sobre a "vida, a forma, a cor"15 da
civilização tropical. Nesse ponto não se enganaram os que perceberam a
desconfiança de Gilberto com relação à idéia de progresso, que eu não sei se
lhe chegou através de contatos diretos ou indiretos com Charles Maurras, Régis
de Beaulieu ou outros membros da Action Française (seria preciso um
ensaio monográfico para dirimir a dúvida) ou se se trata de simples
convergência, da mesma atitude de defesa de membros de culturas ameaçadas, a
luso-tropical ou a franco-católica, diante de imperialismos associados a
germânicos ou anglo-saxãos, isto é, à cultura da modernidade. Quanta, mas
quanta coisa, ainda precisa ser escrita sobre Gilberto Freyre!
DA
DESIGUALDADE À DISCRIMINAÇÃO
O terceiro paradigma aqui identificado encontra-se associado a Carlos
Hasenbalg. Considero Discriminação e desigualdades raciais no Brasil
(1979) um trabalho pioneiro. Sua tese básica está expressa em muitos trechos (:
20, 24, 61, 76, 85, 211, 221 etc). Na impossibilidade de citá-los todos,
escolho a conclusão do capítulo VII, o mais importante de todo o livro,
intitulado "Mobilidade social, desigualdade de oportunidades e raça"
(: 197-221): "Devido aos efeitos de práticas discriminatórias sutis e de
mecanismos racistas mais gerais, os não-brancos têm oportunidades educacionais
mais limitadas que os brancos da mesma origem social. Por sua vez, as
realizações educacionais dos negros e mulatos são traduzidas em ganhos
ocupacionais e de renda proporcionalmente menores que os dos brancos" (:
221).
Segue-se daí o corolário político: "Se os processos de competição
social calcados no mecanismo de mercado envolvido no processo de mobilidade
social individual operam em detrimento do grupo racialmente subordinado, então
o enfoque da análise deve se orientar para as formas de mobilização política
dos não-brancos e para o conflito inter-racial" (idem).
Não pretendo questionar a validade dos dados demográficos e
estatísticos de que Hasenbalg faz uso nesse e em outros de seus trabalhos,
tanto mais que é matéria de senso comum a constatação de que os
"brancos" (como quer que os definamos) se encontram, em todas as
partes do Brasil, em faixas sociais, econômicas e educacionais superiores às
dos "não-brancos". Supondo correto o emprego dos dados demográficos16,
restam ainda, antes que se possa concordar com as conclusões do autor, alguns
problemas de primeira grandeza. A ser verdade que os "não-brancos têm
oportunidades educacionais mais limitadas que os brancos da mesma origem
social" e que "as realizações educacionais dos negros e mulatos são
traduzidas em ganhos proporcionais e de rendas proporcionalmente menores que os
dos brancos", não será ainda metodologicamente legítimo passar à conclusão
de que isso se deve "aos efeitos de práticas discriminatórias sutis e de
mecanismos racistas mais gerais". Faltam premissas a essa tentativa de
demonstração. Tal argumentação, pretendendo deduzir a discriminação a partir da
desigualdade17,
possuiria a cogência de uma verdadeira demonstração científica, ou ao menos a
plausibilidade de uma boa hipótese popperianamente falseável, se, e
somente se, o autor que a propõe cuidasse de substanciá-la, descrevendo ou
ao menos indicando, de maneira próxima ou remotamente observável, quais são,
como, onde e quando operam as "práticas discriminatórias sutis" e os
"mecanismos racistas mais gerais" a que alude. Seria também preciso
que apontasse atores mais concretos que "os brancos", isto é,
dissesse quais brancos, em quais circunstâncias, exercem as
"práticas" e põem em ação os "mecanismos" a que se
refere. E como, até onde eu tenha tido conhecimento, não o faz em ponto algum
de sua obra, como não constrói a mediação que levaria à conclusão da
discriminação partindo da premissa da desigualdade (esta, poderíamos conceder,
baseada em verificações empíricas), parece-me legítimo concluir que essa obra,
sem dúvida densa e provocante, opera com um non sequitur, com uma inconseqüência
que representa um begging the question ou, como se diz em bom vernáculo,
petição de princípio, tratando como evidente justamente o que devia
demonstrar.
Carlos Hasenbalg e Florestan Fernandes concordam na rejeição do
paradigma luso-tropicalista de Gilberto Freyre, mas são diferentes um do outro.
Já destacamos que não há, e nem pode haver, dentro da perspectiva progressista
do Paulista, lugar para o preconceito de raça propriamente dito, isto é, que
não signifique um resíduo da ordem escravocrata. A perspectiva marxista
do homem como produtor impede, para Florestan, o eventual reconhecimento da
atuação de forças primariamente qualitativas na estrutura e na história das
sociedades. A percepção a priori – o preconceito – do Diferente,
do Outro, do Negro como intrinsecamente poluente para o Branco, ou, em outros
termos, a dicotomia pureza e perigo, escapa a Florestan e
tudo indica que escape (apesar de Eugene Genovese) à toda visão da sociedade
como essencialmente fundada sobre forças produtivas, com exclusão de outras
forças ou valores.
O principal livro de Hasenbalg (1979) contém muitos elementos polêmicos
voltados contra a Escola Paulista representada por Florestan e
discípulos, entre os quais se destacam Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso18, e
que é muito claramente o alvo de passagens como esta:
Há vinte ou vinte e cinco anos considerava-se a
sociedade brasileira dividida por um dualismo estrutural, entre instituições e
padrões de relações sociais arcaicos e modernos. Os componentes tradicionais da
sociedade (e a conseqüente degradação das massas, inclusive da população de
cor) seriam o resultado da herança da plantação escravista, da monocultura de
exportação e da preservação de uma estrutura agrária anacrônica. Apesar disso,
na "intelligentzia" e nos grupos sociais progressistas prevalecia uma
atitude otimista quanto ao futuro. De acordo com essa visão, o desenvolvimento
econômico ulterior, juntamente com as reformas estruturais estabelecidas nos
marcos de uma política nacionalista e desenvolvimentista, resultariam
finalmente na integração econômica e social das massas até então excluídas. Os
brasileiros de cor seriam incorporados nesse processo (Hasenbalg 1979: 19-20).
[Uma] forma de ligar o passado escravista ao presente consiste em
interpretar as relações sociais contemporâneas como área residual de fenômenos
sociais resultantes da sobrevivência de padrões "arcaicos" ou
"tradicionais" de relações intergrupais. [...] A suposição
subjacente a essa interpretação é que apesar da abolição do escravismo, uma
inércia histórica perpetua os padrões tradicionais de comportamento
inter-racial. Visto que esses padrões não são funcionalmente exigidos pela nova
estrutura, eles deverão se atrofiar. Conseqüentemente, o racismo e as
desigualdades raciais eventualmente desaparecerão. [Mas] foi sugerido
que: (a) a discriminação e o preconceito raciais não são mantidos intactos após
a abolição mas, pelo contrário, adquirem novos significados e funções dentro
das novas estruturas e (b) as práticas racistas do grupo dominante branco que
perpetuam a subordinação dos negros não são meros arcaísmos do passado, mas
estão funcionalmente relacionadas aos benefícios materiais e simbólicos que o
grupo branco obtém da desqualificação competitiva dos não brancos (ibid.:
85).
Se Hasenbalg e seus adeptos são consistentes nessa recusa do racismo
como "resíduo", ao mesmo tempo em que consideram que os preconceitos
adquiriram "novos significados" e pretendem permanecer em uma
perspectiva mais marxista que, digamos, "dumontiana", é tema que vai
além do âmbito deste artigo19.
Note-se, porém, o caráter volátil e reversível desse paradigma: dando tanta
ênfase à desigualdade sem explicitar quais seriam os mecanismos da
discriminação, Hasenbalg, talvez não do ponto de vista de suas intenções
subjetivas, mas de acordo com a lógica objetiva de seu trabalho, abre as portas
para outras interpretações.
RELAÇÕES
RACIAIS E KULTURKAMPF
Meu objetivo vem sendo mostrar como o entendimento das relações
raciais, pelo menos no Brasil, está associado a concepções mais gerais do
desenvolvimento histórico e mesmo a pressupostos metafísicos. Tenho destacado
que a oposição às teses de Gilberto Freyre, sendo muitas vezes questão mais de
estilo que de substância, encontra-se ligada ao pressuposto, ora mais latente,
ora mais aberto, de uma orto-história, de um único modelo válido de
progresso, ao qual o desenvolvimento do Brasil, ou pelo menos a interpretação
do desenvolvimento, deve se conformar para poder ser aceito como válido.
O que menos se admite, no autor pernambucano, é ter ousado – e isso
desde seus textos mais antigos – tomar posição em favor de uma sociedade
católica, ibérica, tradicional, com muitos pontos de contato, apesar de seu
catolicismo, com a cultura islâmica da África do Norte, que por muitos séculos
dominou em Portugal e na Espanha. O grande debate se trava em torno de
filosofias da história. Ao paradigma de Gilberto Freyre (cujas conclusões,
apesar das divergências manifestas, são latentemente apoiadas por Marvin Harris
e Carl Degler) opõe-se um modelo orto-histórico, uma concepção
progressista do desenvolvimento, de inspiração marxista ou weberiana (ou ambas
ao mesmo tempo), supostamente associada ao advento da mobilidade social e da
igualdade racial.
Trata-se, o tempo todo, de uma luta de culturas, um Kulturkampf20.
Durante toda sua vida intelectual Gilberto Freyre se dedicou ao serviço do que
ele chamou de "uma cultura ameaçada, a cultura luso-brasileira":
Venho contribuindo modesta mas conscientemente [...] para a reabilitação da figura – por tanto
tempo caluniada – do colonizador português no Brasil; para a reabilitação da
cultura brasileira, ameaçada hoje, imensamente mais do que se pensa, por
agentes culturais de imperialismos etnocêntricos, interessados em nos
desprestigiar como raça – que qualificam de "mestiça",
"inepta", "corrupta" – e como cultura – que desdenham como
rasteiramente inferior à sua (Freyre 1942: 16-7).
Nesse aspecto, é curioso notar como ele se aproxima de Max Weber, que,
também desde a mocidade, fez-se defensor de uma cultura a seu modo ameaçada (e,
para Gilberto Freyre, ameaçadora dos valores de culturas
ibero-católico-tropicais), isto é, a cultura protestante-liberal, associada aos
povos do Norte, alemães, anglo-americanos e holandeses. Em um documento de sua
juventude, Weber escreveu que "De acordo com minha estimação, dois
poderes, a burocracia estatal [que Weber parece associar ao socialismo] e o clericalismo
católico [...] têm o maior poder de colocarem tudo mais a seus pés. Por mais
limitadas que sejam minhas forças (mas justamente porque são limitadas),
considero como um mandamento da dignidade humana empenhar-me na luta contra
esses poderes (Weber apud Mommsen 1985: 165).
Concluirei com rápidas observações. Gilberto Freyre, sem
necessariamente desprezar condicionamentos materiais, infra-estruturais ou
tecno-ambientais, pretendeu explicar as relações raciais no Brasil
principalmente por causas ideológicas, abrangendo fatores muitas vezes sutis,
como ethos cultural e atitudes religiosas. Seu paradigma encontrou
acirrada oposição por parte de autores partidários de dois pressupostos
teóricos, o primeiro dos quais acentua, de maneira unilateral, fatores
ecológicos e econômicos, enquanto que o segundo, inspirado em Hegel, em Marx,
em Weber como interpretado por Talcott Parsons ou em todos eles, reivindica a
existência de uma história normativa, associada, como em Degler, a uma forma de
sociedade supostamente móbil, progressista e protestante, à qual todas as
outras histórias devem se conformar, como se se tratasse do único modelo válido
de desenvolvimento. Diante de paradigmas em conflito, convém ater-se a alguns
princípios básicos de metodologia científica. A elegância e a parcimônia são
sem dúvida importantes no processo de demonstração. Mas não as transformemos em
mesquinhez. Procuremos, e se necessário elaboremos, o paradigma capaz da
explicação mais abrangente, em vez de sacrificar a evidência empírica à pureza
das abstrações.
NOTAS
1.
Este artigo continua uma reflexão
iniciada há quase 30 anos, quando, em meus exames de qualificação para o Doutorado
na Universidade de Columbia, meus examinadores (entre os quais não estava
Harris) – penso que não sem alguma malícia em relação a gregos e troianos – me
colocaram (entre outras) a seguinte questão: "Draw a parallel between
Marvin Harriss characterization of race relations in Brazil (with
emphasis on the concept of ambiguity) and older theories, for instance, Freyres. Do you really see them as mutually contradictory and
irreconcilable?". É da resposta
que redigi que, remotamente, descendem tanto este artigo, novo, original e
inédito, quanto as obras publicadas em 1973, 1983, 1986, 1998 e 2000.
2. Na citação anterior, Gilberto Freyre não se refere
propriamente à Igreja como instituição, mas à religião tal como vivenciada no
cotidiano do Brasil colonial.
3. Os portugueses, influenciados por "seu
passado étnico, ou antes, cultural, de povo indefinido entre a Europa e a
África, nem intransigentemente de uma nem de outra, mas das duas"
(Freire 1980: 5), teriam adquirido "singular predisposição [...] para
a colonização híbrida e escravocrata dos trópicos", (idem).
Esse "passado étnico" se configuraria no longo contato com os
mouros, por tanto tempo dominantes em Portugal e na Espanha. Freyre gostava
muito de destacar a "influência moura sobre a vida e o caráter
português: da moral maometana sobre a moral cristã. Nenhum cristianismo
mais humano e mais lírico que o português. Das religiões pagãs, mas também da
de Maomé, conservou como nenhum outro cristianismo na Europa o
gosto de carne. [...] Nesse ponto o cristianismo português pode-se dizer
que excedeu ao próprio maometanismo" (Freyre 1980: 224).
4. Assim é, por exemplo, em seu artigo com Conrad Kottak
datado de 1963, cujo universo se encontra nos pescadores de Arembepe, na Bahia,
e no qual se lê que: "do ponto de vista funcional, a penumbra de confusão
semântica em torno da identidade racial do povo de Arembepe se enquadra bem com
o comportamento real das pessoas. Em nenhum ponto de seu ciclo vital raça
constitui fator fundamental. [...] A ambigüidade racial é manifestação dos
padrões igualitários dominantes na pesca, atividade da qual depende a vida da
comunidade (Harris & Kottak 1963: 205). Em artigo um pouco posterior,
Harris claramente estendeu suas conclusões a todo o Brasil, pois, como
arrematou, a ambigüidade racial "claramente exclui discriminação
e segregação sistemáticas; para poder proibir os membros de um grupo de votarem
ou de entrarem em uma escola ou em um clube, é absolutamente indispensável
haver um critério firme para estabelecer a identidade dos que devem ser
segregados ou discriminados. Nos Estados Unidos, tal critério se configura na
regra de descendência. Esperemos que, no Brasil, haja sempre confusão a esse
respeito e que vá aumentando com o passar do tempo" (Harris 1964b:
28).
5. Diga-se de passagem que moreno, no sentido
amplo destacado por Gilberto Freyre, já pode ser encontrado em Cervantes, em
uma das Novelas ejemplares publicadas originalmente em 1613. Trata-se de
"El celoso extremeño", da qual extraio o seguinte trecho: "Yo
– respondió Loaysa – soy un pobre estropeado de una pierna, que
gano mi vida pidiendo por Dios a la buena gente; y, juntamente con esto, enseño
a tañer a algunos morenos y a otra gente pobre, y ya tengo tres negros,
esclavos de tres veinticuatros, a quien he enseñado, de modo que pueden cantar
y tañer en cualquier baile y en cualquier taberna, y me lo han pagado muy
rebién" (Cervantes 1613: 43-4). Referindo-se à América
Espanhola e baseado em documentos do período colonial, , Mörner escreveu que
"as pessoas de sangue africano podiam demonstrar seu valor em situações
de emergência e, pouco a pouco, foram sendo recrutados para formar unidades
especiais da milícia. Nesse contexto militar, os mulatos eram chamados pardos,
e os negros, morenos" (Mörner 1967: 44).
6. Gilberto Freyre
não é citado nesse artigo, salvo no seguinte trecho: "Research carried
out at midcentury showed that Brazil was not, as sometimes claimed (Freyre
1946; Wagley 1952), a racial democracy" (Harris et al. 1993:
452). Marvin Harris corre o risco de
passar por introdutor da expressão moreno no tratamento da questão
racial no Brasil, embora o termo seja bem mais antigo na obra de Gilberto
Freyre que o ensaio de 1966 a que aqui se faz referência.
7.
A tradução brasileira – revista por
Gilberto Freyre – do trecho que se acaba de transcrever parece atenuar o
otimismo do original em língua inglesa, mencionado e criticado por Marvin
Harris, no qual se diz "The Brazilians have been successful in using
this same power of compromise in the cultural and social spheres. Hence their ethnic democracy,
the almost perfect equality for all men regardless of race or color" (Freyre
1959: 7-8).
8. Para Gilberto Freyre, o português foi "o
colonizador europeu que melhor confraternizou com as raças chamadas inferiores.
O menos cruel nas relações com os escravos" (Freyre 1980: 189).
Notemos, contudo, que a hipótese do português como "bom senhor" não é
indispensável para a interpretação freyriana da escravidão e das relações
raciais no Brasil. Eugene Genovese trata do assunto com vigor e coerência. Para
ele "esta distinção fundamenta a argumentação: o escravo foi maltratado
como escravo, mas só acidentalmente como negro" (Genovese 1971: 83).
9. De modo parecido (mas não idêntico) Genovese destaca
que "não se pode, ao mesmo tempo, ser de um anticolonialismo
irrestrito, ter uma visão unilinear da história e sustentar o evangelho do
progresso sem riscos de esquizofrenia" (Genovese 1971: 382).
10. Degler, para nosso alívio, ao mesmo tempo em que dá a
entender que há países nos quais as pessoas trabalham movidas por princípios
éticos, admite, afinal de contas, que alguns brasileiros também trabalham,
ainda que menos nobremente motivados.
11. Sobre paradigmas, ou antes, sobre a crise dos
paradigmas e sua relação com a obra de Gilberto Freyre, ver o ensaio
de Sebastião Vila Nova (1995), do qual extraio a seguinte citação: "A
verdadeira crise da sociologia contemporânea deriva da incapacidade dos
sociólogos de superar o hábito de pensar nos fenômenos sociais e nos problemas
teórico-metodológicos próprios de sua ciência através do crivo do conceito de
paradigma, assim como da busca ansiosa, antes reflexo da necessidade
inconsciente de ordenação cognitiva do real elevada a um nível mórbido, da
tábua de salvação de um paradigma redentor" (Vila Nova 1995: 79).
12. Com as devidas mudanças, poderia dirigir-se a Carl
Degler e autores afins o comentário de Lévi-Strauss a respeito de Sartre, o
qual se "resigna a situar uma humanidade atrofiada e deformada no campo do humano, mas
não sem implicar que esse lugar não lhe é devido por direito próprio, sendo antes decorrente da sua adoção pela humanidade histórica, seja através da internalização, dentro do
contexto colonial, da história dessa última pela primeira, seja por causa da
própria Antropologia, através da qual uma humanidade concede à outra o dom da
inteligibilidade. De qualquer modo, Sartre deixa fora do esquema toda uma
prodigiosa riqueza de hábitos, crenças e sistemas sociais. É preciso muito
egocentrismo e ingenuidade para que se acredite que o homem se refugiou em um
único dos modos históricos e geográficos de sua existência, quando a verdade
reside no conjunto das sua diferenças e propriedades comuns" (Lévi-Strauss 1962: 329).
13. Pela ênfase que atribui aos valores e atitudes da
população negra com relação à atividade econômica – e, para Florestan
Fernandes, em um ethos inadequado ao desenvolvimento do capitalismo
encontra-se a causa imediata do atraso do negro – o paulista tem também
alguma coisa que o aproxima de Max Weber e de Werner Sombart. Da ênfase a
valores, atitudes e predisposições psicossociais, surge logicamente a questão
do surgimento da classe empresarial. Portanto, não causa espanto que também da
escola paulista de Sociologia, e presumivelmente da proximidade do próprio
Florestan, tenha surgido o trabalho de Juarez Brandão Lopes sobre o empresário
industrial no Brasil (Lopes 1965). Paradoxalmente, talvez não seja Florestan
Fernandes que melhor represente seu próprio paradigma, de inspiração
fundamentalmente marxista, para o entendimento das relações raciais no Brasil,
mas outro sociólogo dele muito próximo, ao menos durante algum tempo. Penso no
autor de As metamorfoses do escravo, isto é, Octavio Ianni (1988).
14. Muitos brasileiros, sobretudo os mais velhos, poderão
achar o contraste esboçado por Florestan Fernandes entre a industriosidade dos
imigrantes e a altivez dos negros exagerado e condescendente, já que esses
brasileiros, quer de São Paulo quer de outras áreas, lembram que atividades
como engraxate e vendedor de peixe ou de jornais eram, e provavelmente ainda
são, freqüentemente exercidas por negros.
16. Mas vale a pena registrar a crítica desfavorável que
René Ribeiro lhes dispensa em Antropologia da religião (Ribeiro 1982),
bem como o severo tratamento que os raciocínios de Hasenbalg, ou inspirados no
paradigma de Hasenbalg, recebem de Marvin Harris e associados (Harris et al.
1993).
17. Os autores de The bell curve (Herrnstein
& Murray 1994) partem exatamente da mesma constatação, isto é, da
desigualdade persistente.
18. Entre outros muitos livros e artigos, Fernando
Henrique Cardoso e Octavio Ianni escreveram em conjunto Cor e mobilidade
social em Florianópolis (1960).
19. O pressuposto fundamental e implícito de Hasenbalg e
de outros aderentes do mesmo paradigma parece ser a concepção, ou mesmo a
paixão, da igualdade abstrata, independentemente de circunstâncias
concretas de cultura e experiência histórica. Não serei eu o primeiro a
perguntar por que os negros – ou os brancos – do Brasil (ou da África, de Cuba
ou dos Estados Unidos) estariam obrigados, em nome dessa noção abstrata de
igualdade (bem como de uma noção orto-histórica de desenvolvimento e
progresso), a internalizar valores e atitudes associados ao desenvolvimento
capitalista. De acordo com esse extremado igualitarismo, os indivíduos, e mesmo
as etnias, deveriam representar exatos espelhos uns dos outros. Passam por aí
questões de filosofia da história que não podem ser totalmente explicitadas,
muito menos resolvidas, no contexto deste artigo. Note-se ainda que muitas
desigualdades certamente haveriam de surgir se se comparassem, quanto a renda,
educação, expectativa de vida, habitação etc., os brasileiros brancos
repartidos entre os que têm sobrenomes portugueses, italianos, sírio-libaneses,
alemães e outros, sem que se pudesse concluir que tais desigualdades se
devessem aos "efeitos de práticas discriminatórias sutis e de
mecanismos racistas mais gerais".
20. Em sentido estrito, Kulturkampf significa a
disputa, a partir da década de 1870, entre a Alemanha Imperial – ou entre
alguns dos Estados que a constituíam (sobretudo a Prússia) – e a Igreja
Católica pelo controle de escolas e seminários, a nomeação de professores de
Teologia para as universidades, a regulamentação dos casamentos etc. (Kupisch
1960). Mas os motivos reais dessa disputa eram bem mais profundos e se prendiam
à grande luta entre a Reforma e a Contra-reforma. Se os problemas imediatos que
suscitaram o Kulturkampf se resolveram dentro de poucos anos, para
contento da Igreja, no sentido amplo é altamente duvidoso que ele ou seus
equivalentes, na Alemanha ou em outros países – inclusive latino-americanos –,
tenha já terminado.
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SUMMARY
Paradigms for interpreting
racial relations in Brazil
Three paradigms can be
distinguished in the study of racial relations in Brazil during the nineteenth
century. The first of them, the dark-complexion [morenidade] paradigm,
is associated to Gilberto Freyre. Despite seeming disagreements, however, it is
shared by Marvin Harris and Carl Degler, whose formulations about "a
referential ambiguity in the assessment of racial identity" and
"neither Black nor White" have essentially the same meaning as
"dark-complexioned". A second paradigm relates to Florestan
Fernandes, who stresses the purely residual nature of racial prejudice and
inequality in Brazil. The third one, chiefly associated to Carlos Hasenbalg,
states that persistent racial discrimination is the cause of inequality between
Whites and non-Whites in the realms of economy, education, and other social
indicators. The differences between those paradigms as well as among authors
who adhere to substantially identical ones result largely from different models
of history and development.
RÉSUMÉ
Paradygmes dinterprétation des
relations raciales au Brésil
Dans létude des relations
raciales au Brésil
pendant le XXème
siècle,
on distingue trois paradygmes. Le
premier, celui de la morenidade, est lié à Gilberto Freyre. Mais, malgré des
désaccords apparents, il est partagé par Marvin Harris et Carl Degler, dont les
formulations de "l ambiguïté référentielle dans lévaluation de lidentité raciale" et
du "ni blanc ni noir" signifient pareillement dans leur essence létat marron. Le second, est associé à Florestan Fernandes, qui
distingue le caractère purement résiduel du préjugé
de la race et de linégalité au Brésil. Le troisième, issu surtout de Carlos
Hasenbalg, postule que la discrimination raciale persistante est cause de linégalité
entre blancs et non-blancs sur le plan de léconomie, de léducation
et dautres indices. Les différences entre ces paradygmes,
voire entre auteurs qui adhèrent à des paradygmes fondamentalement identiques,
proviennent dans une large mesure de modèles différents dhistoire
et de développement.

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